Páginas

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Aposentada de 80 anos vira ícone da luta por novos parques em SP

O convívio com duas filhas, quatro netos e uma bisneta não é suficiente para a aposentada Ana Dulce Marraschin. Aos 80 anos, ela é figura fácil em manifestações e se tornou uma das protagonistas da luta por pelo menos 22 novos parques e espaços públicos em São Paulo.

"Não sou bióloga, nem especialista em praça", adianta a ex-professora de educação artística.

— Mas acho que os prédios estão engolindo o pouco verde que resta e as pessoas precisam de espaços abertos para conviver. Por isso reuni os amigos para aquele primeiro ato.

Ela se refere ao "Ato em defesa dos parques ameaçados de São Paulo", realizado no fim de março, no centro da cidade. De lá para cá, o movimento cresceu e a terceira edição da passeata ocorreu no fim da tarde da última terça-feira (13), com mais de 500 pessoas confirmadas pelas redes sociais.

O objetivo de dona Ana Dulce e seus colegas é oficializar espaços abertos que já são ou poderiam ser usados pela população para lazer, prática de esportes e convívio.

Segundo a prefeitura, a proposta é bem-vinda. Procurada pela #SalaSocial da BBC Brasil, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo afirmou, em nota, que "manifestações populares são positivas e contribuem para a melhoria do processo".

O órgão oficial diz ainda que 'é favorável à implantação de novos parques na cidade e mantém um canal aberto com a população'.

#donadulcedigital

Não à toa, a hashtag #parqueaugusta foi uma das mais compartilhadas pelos paulistanos no ano passado e alvo de discussões quentes no Twitter, Facebook e Google+.

Mas além do terreno mais famoso, com árvores centenárias, localizado na Rua Caio Prado, entre a Rua Augusta e a Rua da Consolação, foco de disputa entre moradores da região central (que querem parque) e construtoras (que querem prédios), existem pelo menos outras 22 áreas na cidade com potencial para se tornarem espaços públicos gratuitos.

Há dois meses, com o apoio de outros ativistas (boa parte com menos de um quarto de sua idade), dona Ana Dulce deu o pontapé inicial para a criação da Rede de Novos Parques SP, que hoje conta com representantes destes 22 parques e praças.

Eles vão bastante além do centro e estão localizados, por exemplo, em áreas na Brasilândia, Morro do Querosene, Panamby, Parelheiros e Vila Ema.

Nenhum foi reconhecido pelo governo como espaço público de verdade. 'Por isso a gente tem que lutar. Essa rede é um organismo totalmente horizontal, sem hierarquia mesmo. Todo mundo é bem-vindo, meu filho', ressalta a idosa baixinha, de cabelos grisalhos.

A situação é similar em todos os terrenos: considerados por suas vizinhanças como alternativas raras de convívio a céu aberto, eles são disputados por empreiteiras, de olho no mercado imobiliário aquecido em toda a cidade.

Hábil em redes sociais, é a própria dona Ana Dulce quem cria e divulga eventos a favor das áreas verdes pelo Facebook.

Por dia, ela chega a postar até 40 links, com pleitos que vão desde a defesa de rios na Amazônia até o fim do uso de agrotóxicos na Ilha de Marajó.

Entre seus lemas, duas hashtags que ganharam versões impressas em diversos muros da cidade: #vocepraçaeuachograça, #vocepredioeuachotedio.

Por toda a cidade

Segundo o IBGE, um em cada três domicílios em áreas urbanas brasileiras não têm nenhuma árvore em seu entorno.

O problema é maior nas áreas pobres: enquanto 43% das famílias com renda per capita mensal de até um quarto do salário mínimo não têm árvores perto de casa, o índice entre os domicílios com renda maior que dois salários mínimos por pessoa é de 21,5%. Os dados são do Censo 2010.

Em São Paulo, a mobilização popular chegou até o palácio do governo. 'No último dia 12 de maio, lideranças dos grupos e movimentos ativistas em defesa do Parque Augusta foram recebidos em nosso gabinete da secretaria', diz a secretaria do verde.

A jornalista Henny Freitas, 33, esteve por lá.

— Os parques estão diretamente integrados a questões públicas como saúde, educação ambiental e mobilidade pública, entre outras. Nada mais legítimo do que a prefeitura regularizar o que o povo já considera público.

É o caso do terreno da Chácara do Jockey, na zona sul da cidade. A área, cujo tamanho é equivalente aos parques da Aclimação e Buenos Aires juntos, pode ser vendida para construtoras por conta de dívidas com a Prefeitura.

Ou do parque Chácara da Fonte, no Morro do Querosene (no bairro do Butantã). A área privada, que possui quatro nascentes cercadas por resquícios de Mata Atlântica, é fechada ao público, que reivindica acesso aos jardins.

— O Augusta despertou atenção e virou um símbolo', afirma a produtora cultural Nina Liesenberg, 30. 'Mas a nossa luta é bem maior. E se não tiver pressão popular, eu garanto: vai subir prédio.


Para o arquiteto e urbanista Augusto Aneas, 30, o levante de empreendimentos imobiliários "já chegou ao limite".

Assíduo nas audiências públicas do novo Plano Diretor, que está prestes a ser sancionado pela Câmara Municipal, o urbanista estima que São Paulo tenha pelo menos outras 160 áreas com potencial para se tornarem parques oficiais.

— Estamos tentando identificar o número exato. A tarefa é difícil, porque o mapa de áreas verdes da cidade é bastante truncado.

Segundo Aneas, este é o momento ideal para que as áreas verdes sejam demarcadas.

— Na segunda etapa do Plano Diretor será fechada a Lei de Uso e Ocupação do Solo. Essa lei limita as áreas que são e que serão áreas preservadas ambientalmente até 2030. Se não protegermos agora, dificilmente existirão chances para que a cidade tenha novos parques. E isso para um lugar nervoso como São Paulo é devastador.

Se a fórmula parece complicada, dona Ana Dulce, a ativista veterana, diz ter na ponta da língua a solução para os problemas das grandes metrópoles.

— Se pudesse, eu enchia a cidade inteira de flores e árvores. Não é difícil, meu filho, é só plantar as mudinhas.

BBC Brasil - Todos os direitos reservados - É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC